Para compensar o fato de que domingo passado não teve resenha (por motivos de saúde, esclareço, afinal o livro da semana foi lido sim, senhores!), voltamos à quarta-feira premiada, sendo o bônus de hoje um dos meus livros brasileiros contemporâneos preferidos – ou talvez, simplesmente, “o” meu preferido: A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves, do escritor mato-grossense Joca Reiners Terron.
Lançado há apenas três anos, este romance curto e viciante flerta com o realismo fantástico argentino enquanto se banha em altas doses de E.T.A. Hoffmann e Edgar Allan Poe. O resultado, no entanto, é sem dúvida exclusivamente tupiniquim. Oscilando constantemente entre a realidade e o sonho – ou talvez seja melhor dizer pesadelo –, a trama é dividida em sete partes, nas quais se entrecruzam as vidas de personagens distintas em torno de um grande mistério: quem será a criatura misteriosa que habita um antigo casarão mal-assombrado em pleno bairro do Bom Retiro, na cidade de São Paulo? O ser, identificado como sendo do sexo feminino, apesar de ser constantemente chamado de “criatura”, tem o tamanho e a fragilidade de uma menina de cinco anos, mas a sua pele carcomida por uma doença rara faz dele um monstro de aparência assustadora. Exímia desenhista, a criatura entretém-se no seu exílio forçado, acompanhada somente de uma enfermeira especializada em doenças terminais, em desenhar leopardos-das-neves. Diante da notícia de que um desses belíssimos animais, capturado das tundras siberianas, encontra-se em cativeiro no zoológico de São Paulo, a bondosa enfermeira decide levar sua protegida para um safári noturno que certamente não terá um final feliz.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, ou quem sabe ainda numa realidade paralela, um escrivão da polícia mulato, filho de um judeu e de uma prostituta, intercala noites insones de trabalho numa delegacia com dias intermináveis a cuidar do pai demente, um homem seco que parece nunca se ter dado conta de sua existência. Ainda se encontra por ali um taxista psicopata, cuja menina dos olhos são três cães assassinos, transformados por ele numa verdadeira máquina de guerra. Enquanto o homem se encontra à procura de sua próxima vítima, a criatura moribunda se prepara para o seu derradeiro passeio.
Empolgante e original, o romance de Terron destaca-se por fugir completamente do lugar-comum em que se encontra o romance urbano brasileiro, com seus intermináveis retratos da miséria humana exacerbada pelos noticiários da Rede Globo. Para mim, o livro se destaca não apenas pela boa história, mas sobretudo pela sua força narrativa. O estado de sonambulismo de suas personagens transpassa a história contada e se revela no cerne da própria narração, de modo a fazer qualquer leitor perder o sono para poder chegar ao final de uma só assentada.
Quem ainda não estiver convencido de que esta é a leitura perfeita para o feriado da Páscoa, pode-se deixar embalar pelo trailer (essa moda de trailer de livros parece que está mesmo a pegar!):
Título original: A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves
País: Brasil
Idioma original: português
Ano de publicação: 2013
Edição brasileira: Companhia das Letras (ISBN 978-853-5922-34-9)
Edição portuguesa: não encontrada
Número de páginas: 176