Mesmo quem não conhece Irvine Welsh já deve ter ouvido falar do seu trabalho. Monstro sagrado da literatura de submundo, o escritor escocês de longa carreira é autor do livro que deu origem a Trainspotting, filme que lançou a carreira de Ewan McGregor nos anos 1990. Fascinado por temas polêmicos como o mundo das drogas, a pornografia, a corrupção e a violência gratuita, seu décimo livro, intitulado simplesmente Crime, penetra nas águas turbas de um tema ainda mais controverso: a pedofilia.
Frequentemente citado como o seu trabalho mais perturbador, o livro é protagonizado pelo atormentado investigador policial escocês Ray Lennox, que chega à cidade de Miami com a noiva a fim de organizar os preparativos para o iminente casamento após um colapso nervoso. Especialista em crimes sexuais, Lennox se encontra à beira do abismo após o desfecho trágico de sua mais recente investigação: o desaparecimento de uma menina de apenas sete anos. Torturado pelo fantasma da criança, bem como pelo inexorável sentimento de culpa por não ter sido capaz de salvá-la, o acaso lhe dá uma nova chance quando seu caminho se cruza com o da pequena Tianna, uma vítima de abusos sexuais de apenas dez anos. Lennox, que não medirá esforços para protegê-la daquilo que mais tarde descobrirá tratar-se de uma rede nacional de pedófilos, será ele mesmo tentado por essa desajeitada Lolita incapaz de expressar afeto de outra forma que não oferecendo o próprio corpo.
O livro, que alterna a narrativa convencional do presente a flashbacks em segunda pessoa, nos quais o leitor é convidado a penetrar nas camadas mais profundas da mente atormentada de seu protagonista, é certamente seco, cru e direto, contendo passagens claustrofóbicas e difíceis de digerir. Nele, estão ausentes boa parte do cinismo e do humor negro característicos de Welsh, uma vez que o próprio tema não deixa margem a gracejos. Por outro lado, temos na persona de Lennox uma espécie de justiceiro alheio ao próprio ego, capaz de se autodestruir sem hesitar em nome daquilo que considera certo. Aos poucos, o leitor se apercebe dos motivos de sua obsessão em defender crianças vítimas de agressão sexual: se todo homem carrega em si a semente da maldade, a dele só está voltada para si mesmo. E isso faz com que Crime, apesar de seu tema sinistro, traga uma mensagem positiva: trata-se de um livro sobre a procura de redenção através do altruísmo.
O leitor que optar por ler o romance em seu idioma original confrontar-se-á com uma inevitável barreira: o fato de que Welsh adora ressaltar o sotaque de suas personagens, grafando os diálogos “foneticamente”. Particularmente, demorei um pouco a percebeu que Skatlin era simplesmente a maneira com a qual a pequena Tianna pronunciava o nome do país de origem do seu protetor. Mas que fique como um desafio: embora complexa, a linguagem de Welsh é uma das razões que fazem de Crime um livro que não se pode deixar de ler.
Confira o trailer do livro:
Título original: Crime
País: Escócia
Idioma original: inglês
Ano de publicação:
Edição brasileira: Rocco (ISBN 978-853-2526-73-1)
Edição portuguesa: Quetzal (ISBN 978-972-5648-11-7)
Número de páginas: 416 (edição brasileira), 464 (edição portuguesa)