A pequena fortuna de Dorothea Q, de Sharon Maas

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Quem disser que nunca julgou um livro pela capa é um grande mentiroso. Por mais que nos esforcemos, é difícil não nos deixarmos influenciar pelo trabalho de manipulação minuciosamente pensado (ou não) pelo editor para nos convencer (ou não) a consumir o produto livro. No caso de A pequena fortuna de Dorothea Q, um excesso de clichês, uma horrorosa combinação de amarelo, azul e cor de rosa, bem como uma diagramação digna de “romances de mulherzinha” quase iam me fazendo desistir. Mas digamos que não é assim tão fácil encontrar um livro vindo originalmente da Guiana, de modo que, mais do que qualquer outra coisa, o romance da escritora guianesa Sharon Maas me venceu sem convencer. Falou mais alto a falta de opção. E que bom!

Se não será o próximo Prêmio Nobel da Literatura (se bem que nunca se sabe), A pequena fortuna de Dorothea Q é um livro cativante, atraente e divertido. Mais que um romance monofocal, trata-se de uma pequena saga familiar que acompanha três gerações de mulheres da família Quint: a matriarca Dorothea, sua filha Frederika (Rika) e neta Inky. Por meio de uma trama não cronológica, acompanhamos os momentos mais importantes do clã guianense, desde a bucólica Georgetown do início do século XX, até a frenética cidade de Londres nos dias de hoje. No centro da trama encontra-se um pequeno tesouro familiar: um selo extremamente raro, conhecido como o “One Cent Magenta”, emitido na capital da Guiana em 1856, e conhecido globalmente como o selo mais caro do mundo.

Embora não se trate de forma alguma de um sentimento homogêneo, boa parte do tempo temos a impressão de estar lendo um dos romances antigos de Isabel Allende. É certo que o carisma das personagens principais parece que se vai perdendo a cada nova geração, chegando mesmo a ser difícil se relacionar com os dilemas adolescentes da – tirando a curiosidade intercultural – inócua Inky. Mas estas falhas são largamente compensadas por um exotismo bem temperado, por uma trama bem cozida e por um agradável vislumbre desse país tão próximo e ainda assim tão distante, cujas paisagens poderiam ser as mesmas de Jorge Amado, mas cujo ambiente sócio-político-cultural distingue-se em quase tudo da realidade brasileira.

Se é verdade que o excesso de melodrama pode incomodar qualquer leitor menos inclinado à telenovela, a história ainda assim permanece interessante até a última página, e algumas de suas cenas eventualmente permanecerão por um bom tempo no imaginário do leitor. Em suma, pode-se dizer que A pequena fortuna de Dorothea Q é o livro perfeito para aqueles longos dias passados na espreguiçadeira durante as férias de verão, perfeitamente inadequados a um Proust ou a qualquer outra leitura intelectualmente mais exigente, mas nos quais ainda assim ansiamos por um pouco de poesia.

 

Título original: The Small Fortune of Dorothea Q

País: Guiana

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2014

Edição em português: não há

Edição inglesa: Bookouture (ISBN 978-190-9490-58-1)

Número de páginas: 480

A Beautiful Place to Die, de Malla Nunn

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Depois de dois meses sem escrever, sinto que devo uma explicação. Na verdade, tenho não apenas uma, mas duas boas desculpas: uma mudança de casa, de cidade e de vida, e um bebê à caminho. Tudo isso reduziu o meu ritmo de leituras, reduziu (leia-se: bloqueou) a minha assiduidade neste blog, mas não diminuiu o meu desejo de levar em frente o projeto. Ainda falta pouco mais de cem países a serem lidos. Quase metade do percurso percorrido. 2017 chegou, vamos a isso!

Se ler um bom livro faz com que nos sintamos imediatamente familiares às suas paisagens e personagens, ler um bom livro enquanto se viaja fisicamente pelas terras onde a trama se desenrola é uma emoção inexplicável. Foi assim este ano com A Beautiful Place to Die, primeiro romance policial da escritora suazi Malla Nunn. Ambientado no extremo nordeste da África do Sul em 1952, período de plena ascensão do regime do Apartheid, o livro transporta-nos para um pequeno vilarejo dominado por boers (resumindo grosseiramente: os descendentes de holandeses extremamente racistas que iniciaram o Apartheid), ao mesmo tempo em que questiona as contradições e a hipocrisia da ideologia dominante.

A trama complexa de um romance policial bem escrito talvez já deixe transparecer a imensa quantidade de mensagens subliminares presentes no livro: Logo após a assinatura do “Ato da Imoralidade”, que impedia qualquer tipo de relacionamento íntimo entre brancos e negros, o capitão da polícia do idílico vilarejo de Jacob’s Rest é encontrado morto à beira de um rio, motivo pelo qual o detetive de ascendência inglesa Emmanuel Cooper é enviado para o local. Logo ao chegar, Cooper depara-se com uma comunidade fechada e repleta de incoerências, dominada pelo medo dos negros e pelo racismo dos brancos, na qual ninguém parece disposto a revelar os seus mais infaustos segredos. Com o passar do tempo, e sob a constante vigilância dos brutamontes filhos do capitão assassinado – os quais parecem temer que o detetive se meta em assuntos que não deve – , Cooper acaba por ganhar a confiança do agente negro Shabalala, bem como a do “velho judeu”, uma espécie de pária local no limiar entre os conceitos raciais, possivelmente as única pessoas inteligentes do local. Suas buscas fazem-no enveredar por caminhos sinuosos até a capital do Moçambique, ainda então conhecida como Lourenço Marques, em busca de fotografias comprometedoras, e desvendar uma extensa rede de relações proibidas. Como seria de se esperar, tudo isso fará dele um alvo potencial, já que algumas verdades não foram feitas para serem reveladas.

A todos aqueles que se interessarem por esta excelente leitura, deixo um único spoiler: o mocinho não morre no final. Pelo contrário, ele reaparece como o protagonista de ao menos três outros romances. Àqueles que pensavam que apenas os escandinavos eram dignos do título de melhores séries de literatura policial, fica a minha opinião pessoal – o primeiro romance de Malla Nunn coloca qualquer Jo Nesbø tranquilamente no chinelo. E com que categoria.

Feliz ano novo a todos. E vida a Suazilândia, esse querido país minúsculo com tanto para oferecer!

 

Título original: A Beautiful Place to Die

País: Suazilândia

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2008

Edição em português: não há

Edição inglesa: Atria (978-141-6586-20-3)

Título espanhol: Un hermoso lugar para morir

Edição em espanhol: Siruela (978-849-8415-65-0)

Número de páginas: 384 (edição em inglês), 416 (edição em espanhol)

 

O menino que descobriu o vento, de William Kamkwamba

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Algumas histórias de vida são tão impressionantes que, caso fossem narradas num romance, muita gente torceria dizendo que são inverossímeis. Dos confins do Malaui, esse pequeno e (hoje) relativamente próspero país espetado no sudeste do continente africano, vem uma dessas histórias inspiracionais, dessas que mais parecem conto da carochinha: O menino que descobriu o vento.

William era apenas mais um menino sonhador e irrequieto, oriundo de um paupérrimo vilarejo agrícola, mas cuja curiosidade e capacidade criativa o destacavam da massa de crianças pobres e descalças ao redor. Obrigado a abandonar a escola devido à falta de meios de seu pai para pagar as elevadas mensalidades, o menino ainda assim não desistiu de perseguir o seu sonho de adquirir conhecimentos, devorando a esparsa biblioteca improvisada que uma missão de caridade havia deixado no local. Fascinado por manuais de física e invenções, o menino descobriu os milagres da energia eólia e, com a ajuda de dois amigos e utilizando o tempo livre que lhe sobrava para explorar o ferro-velho local, conseguiu construir uma torre imensa, uma verdadeira aberração de ferro soldado, a qual, diante da risota incrédula de todo o vilarejo, conseguiu transformar na primeira fonte de energia elétrica de toda aquela região do país.

De fato, a história de William Kamkwamba é tão impressionante que, ao ser descoberta, foi capaz de transformar não apenas a sua vida, mas a de todos os nela envolvidos. Adorado pelos repórteres, mas sem o menor auxílio do Estado ou dos diretores de escola locais, sua fortuna só seria traçado após um convite para a renomada conferência TED Global, atraindo a atenção das mídias internacionais e de generosos mecenas gringos. E o seu discurso emocionado, narrado em um inglês alquebrado que ainda torna mais incrível que ele tenha sequer sido capaz de entender os manuais de física que usara, está lá para todo mundo ver, reproduzido milhões de vezes graças às maravilhas da internet.

Mas essa história poderosa de luta e sobrevivência, esse conto de fadas meritocrático de um self-made boy saído das periferias do mundo globalizado, também esconde uma crítica ferrenha às elites africanas, cuja incapacidade de gerir um país submetem seu povo a um constante flerte com a morte, ao desespero da fome e à impotência da miséria, ofuscando os maiores talentos e os condenando ao esquecimento. Crítica justíssima, diga-se de passagem, embora incomode que, no entretempo, o branco seja mostrado como um herói salvador, uma espécie de fada azul capaz de transformar o inventorzinho africano num menino de verdade, abrindo-lhe as portas para um mundo mais digno.

Se desta vez não tenho palavras para a qualidade literária do texto é porque, mais uma vez, se trata de um livro escrito a duas penas, com a ajuda de Brian Mealer, um jornalista estrangeiro. O mesmo, aliás, que transformaria a narrativa num livrinho ilustrado para crianças – mais um sinal de que a trajetória de Kamkwamba se assemelha a um conto de fadas, uma ode ao deus da meritocracia, cuja mensagem consiste em “quem não desiste, persevera”. Toda a gente sabe que não é bem assim.

De todas as formas, se lido com um olhar crítico, não se pode deixar de dizer que se trata de um livro realmente interessante, e de uma história de vida ainda mais, e que por isso recomendo.

 

Título original: The Boy Who Harnessed the Wind: Creating Currents of Electricity and Hope

País: Malaui

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2009

Título brasileiro: O menino que descobriu o vento

Edição brasileira: Objetiva (ISBN 978-853-9002-55-9)

Título português: O rapaz que prendeu o vento

Edição portuguesa: Presença (ISBN 978-972-2343-51-0)

Número de páginas: 288 (edição brasileira), 304 (edição portuguesa)

O quinto filho, de Doris Lessing

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No que diz respeito à escolha de autores, eu sempre fui uma pessoa um bocado preconceituosa. Na adolescência, recusava-me a ler tudo aquilo que cheirasse a best-seller, mesmo que com isso deixasse passar alguns clássicos: Erich Maria Remarke, Ernst Hemingway, Hermann Hesse… como também uma autora extremamente popular, cujos livros enchiam as prateleiras de qualquer biblioteca dos anos 1980 e 90: a britânica nascida no Irã Doris Lessing.

Fui conhecer Doris Lessing apenas à custa de necessidade. Estava na praia do Tofo, no Moçambique, e como não houvesse meio de carregar meu iPad, uma bolorenta edição alemã de O quinto filho era o único livro que me havia à disposição. E confesso que a espera valeu a pena: trata-se, para mim, do melhor livro do ano até o momento.

O quinto filho é um livro curto, de pouco mais de 100 páginas, concebido como uma espécie de fábula às avessas, e narra a infeliz história de um jovem casal perfeito, Harriet e David, cujo pequeno idílio familiar cai completamente por terra após à chegada de Ben, o quinto rebento. Narrado com um forte tom de crônica jornalística no qual preponderam a acidez e a ironia, o livro oferece-nos uma crítica ferrenha à hipócrita sociedade britânica, ao mesmo tempo em que revela a verdadeira essência do vínculo maternal.

Após conhecerem-se numa festa de escritório, Harriet e David descobrem um no outro o parceiro perfeito para as suas ambições pequeno-burguesas. Avessos às tendências libertárias dos anos 1960, os dois decidem se casar, comprar uma imensa casa vitoriana e enche-la de filhos, levando uma vidinha feliz e sem grandes arrebatamentos, baseada nos princípios da fidelidade e da estabilidade familiar. No começo, tudo corre bem, e a casa se torna o refúgio de uma infinidade de parentes e amigos ansiosos por compartilhar seu paraíso doméstico – as contas até se acumulam devido à eterna romaria de visitantes. Sua sorte, no entanto, mudará drasticamente desde a concepção do quinto filho, cujo desenvolvimento ainda no útero é de tal forma violento que provoca a rejeição imediata de uma mãe até então exemplar. Completamente fora do controle, Harriet tem a impressão de que o filho está a tentar mata-la por dentro, sensação que só tende a agravar com o nascimento difícil, seguido de uma amamentação catastrófica e de um primeiro ano ainda pior. O menino, de aparência estranha e pouco delicada, que em tudo mais parece um neandertal, revela-se rapidamente como uma ameaça aos próprios irmãos e primos, uma espécie de changelin deixado pelos trolls, cujas tendências violentas e ímpeto assassino destroem pouco a pouco a unidade familiar. Gradualmente, a pequena família modelo começa a ruir, seja pela irritabilidade constante de uma mãe à beira de um ataque de nervos, seja pela frieza do pai, ou pela ameaça constante desse estranho no ninho. Os visitantes começam a minguar, a vida torna-se insuportável… Mas haverá uma solução “limpa” para o problema de David e Harriet? Será a mãe capaz de se livrar do próprio filho, mesmo que o seu sentimento por ele tenha sempre sido o de repulsa e aversão?

Ao referir-se posteriormente ao processo criativo de O quinto filho, seu trigésimo-quinto livro, Doris Lessing, ganhadora do Prêmio Nobel da Literatura em 2007, afirma ter simplesmente odiado escreve-lo. Trata-se, de fato, de uma história de horror digna dos clássicos de Edgar Allan Poe, de um Bebê de Rosemary sem efeitos especiais, cujo senso de tragédia não deixará impassível nem o mais crítico dos leitores, e que deve seguramente ter revirado o estômago da própria autora. Trata-se, afinal, de uma metáfora poderosa, cujos ecos dificilmente sairão da memória do leitor, e que certamente trará pesadelos a qualquer leitora grávida ou ansiosa para ter um bebê. Um livro que põe em causa o conceito de maternidade, que questiona aquela ideia de felicidade dos comerciais de margarina, e que nos faz refletir sobre nossa própria humanidade. Em suma, um livro delicioso, apavorante, incontornável!

 

Título original: The Fifth Child

País: Reino Unido

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 1988

Edição brasileira: Record (ISBN 85-0103-418-5)

Edição portuguesa: Europa América (ISBN 560-107-2033-04-7)

Número de páginas: 128 (edição brasileira), 173 (edição portuguesa)

Sobre o Dylan, o Nobel, a política e a dor de cotovelo

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Outubro costuma ser o mês em que a literatura volta a ser assunto de jornal e de conversa à mesa do chá da tarde – nem que seja por um dia ou dois. Este ano, a divulgação do resultado do Prêmio Nobel da Literatura deu tanto o que falar que eu hoje até abri mão de publicar a minha resenha semanal para meter a colher na polêmica.

Para começo de conversa, é preciso dizer que a data de divulgação do prêmio não poderia ter sido mais providencial: no mesmo dia em que a Academia Sueca divulgava o resultado de 2016, morria um outro Nobel da Literatura: o italiano Dario Fo. Houve quem visse na coincidência um certo presságio do Apocalipse – enquanto os velhotes suecos anunciavam a degradação absoluta de sua capacidade de julgamento coroando com a mais alta medalha literário um mero cantor, o velho laureado batia as botas em protesto. Só me resta perguntar se aqueles que assim o pensam já alguma vez leram Fo. Apostaria meu braço direito que não. Afinal, o Nobel do italiano em 1997 tem motivos de sobra para ter sido ainda mais polêmico que o Nobel de Bob Dylan. Dario Fo, dramaturgo e ativista político de talento inquestionável, pode ter sido muita coisa. Mas se tem uma coisa que ele nunca foi nem nunca tentou ser, foi escritor de “literatura”.

Bob Dylan, por sua vez, aproxima-se muito mais do conceito clássico de poeta que muitos de seus antecessores na lista do Nobel literário. Svetlana Aleksievič, por exemplo, a jornalista bielorussa ganhadora do ano passado. Com a diferença que ela ninguém conhecia – sua obra nem sequer traduzida para o português se encontrava -, de modo que a pseudo-intelectualidade não se julgou competente para palpitar. Preferiu fazer cara de entendida e correr à internet ler resumos de seus livros.

De que Dylan é um poeta de mão cheia já muita gente se havia apercebido. Há décadas que suas letras tem sido tema de teses de doutorado em literatura, ou publicadas em edições especializadas como se fossem poemas. Questionar os méritos de Dylan como escritor seria, neste caso, por em causa o próprio conceito do que é literatura. Afinal, dizer que ele não merecia o Nobel por ser um músico é o mesmo que negar a própria origem do que hoje conhecemos por literário – a arte de contar histórias de forma oral, diante de uma audiência ativa e participativa. Ademais, há anos que sabemos que o conceito usado pelos velhos suecos não é assim tão rigoroso – basta pensarmos no caso de Fo, acima citado, ou no de um outro laureado ilustre, Winston Churchill, Nobel da Literatura de 1953. Isso mesmo, aquele que governou a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial. É verdade, ganhou o Nobel da Literatura, podem ir conferir!

Mas por que o Nobel do Bob Dylan incomoda tanta gente? Simplesmente, por que se trata de um cantor popular, e que o popular não costuma se misturar com as altas esferas da literatura. Sobretudo para gente que vai às livrarias uma vez por ano, quando sai o resultado do prêmio, a fim de comprar mais um peso de papel para a estante e fazer boa impressão às visitas. Gente que não lê, ou que talvez já tenha folheado meia página de um Murakami, e que por isso mesmo torcia pelo japonês – eterna promessa e cavalo de apostas. Que grande oportunidade não perdeu essa gente de impressionar as visitas nos seus salões de chá! Isso para não falar no desespero das livrarias, acometidas a uma recessão sem precedentes. Não vão elas mudar de ramo e passar a vender CDs quando chegar o Natal!

Mas o que eu ainda não disse é que eu também não estou feliz com o Nobel do Bob Dylan. Porque toda a gente capaz de ler as entrelinhas sabe bem que a Academia sueca é a FIFA das Artes, das Ciências e da paz mundial. Que as suas decisões estão calcadas em política e num jogo de interesses, muito mais que nos méritos de cada um de seus ganhadores. Não fosse por isso, não teria Barack Obama ganhado o Nobel da Paz sem jamais o ter merecido, ou a menina Malala, para fazer boa impressão e legitimar o antiterror… Pode parecer que estou misturando alhos com bugalhos, mas não estou: apenas estou dando um exemplo de como o Nobel é usado ano a ano como um instrumento de dominação de uma elite branca, eurocentrada e falocrata.

Voltemos para a literatura? Dos 113 vencedores do Nobel de 1901 a 2016, apenas 14 eram mulheres, apenas 10 nasceram no Hemisfério Sul, e apenas um (dois, se considerarmos o mulato Derek Walcott) era negro. Das línguas representadas, 27 escreviam em inglês, 105 em línguas europeias. A França, país de 66 milhões de habitantes, já ganhou mais prêmios Nobel da literatura (15) do que a África, a Ásia, a América do Sul e a Oceania juntos. Quase 50% dos laureados eram cristãos praticantes. Apenas um (Jean-Paul Sartre) teve culhões para o recusar. Já deu para perceber?

Em vez de criticar o Nobel do cantor, está mais do que na hora é de criticar a instituição como um todo, ou os seus parâmetros de escolha. E de estender a crítica a nós mesmos, que prestamos tanta atenção a esse prêmio literário que nem prêmio literário é. Afinal, não se trata de um concurso, como muita gente acredita. Ninguém ganha o Nobel pelo livro X ou Y. Ganha simplesmente porque a Academia achava que merecia. Tanto que alguns deles nem sequer livros têm.

Já deu por hoje. Semana que vem tem mais resenha. De uma escritora, aliás, laureada pelo Nobel. Ironicamente.

A herança de Orhan, de Aline Ohanesian

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Depois de três meses de silêncio, nada melhor para recuperar os velhos hábitos do que trazer-vos um livro cuja leitura me proporcionou grande prazer. Admitamos: mais por razões históricas do que por qualquer outra coisa. Afinal, fazer justiça histórica aos genocídios esquecidos do século XX sempre foi um dos meus grandes focos de interesse.

No imaginário coletivo, a palavra genocídio encontra-se intrinsicamente associada à shoah, o genocídio judeu pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. A imagem dos campos de concentração abarrotados e das câmaras de gás chegam a ser tão preponderantes, desde o cinema mainstream até os mais altos níveis da literatura, que quase chega a sufocar. Chega a não sobrar espaço para falarmos de outros extermínios em massa igualmente atrozes e igualmente extremos, cujas feridas talvez se encontrem muito mais abertas que a dos judeus. Pois se pensarmos, por exemplo, no maior desejo de uma vítima ou de seus familiares, este sempre vem relacionado com o conceito de justiça moral, que se estende desde a admissão do crime pelo algoz até o reconhecimento do sofrimento por parte da sociedade. No caso do genocídio armênio, não apenas o primeiro está bem longe de acontecer, como o segundo tem sido conquistado apenas lentamente e a duras penas: a Turquia continua a insistir que o extermínio nunca existiu, enquanto o resto do mundo o tem feito num murmúrio, relutante em cair no desagrado desta potência econômica semidemocrática com ocasionais surtos de violência.

Orhan’s Inheritance, o primeiro romance da historiadora Aline Ohanesian, filha de armênios, nascida no Kuwait e radicada aos três anos nos Estados Unidos, não poderia tratar de outro assunto. Situado em dois períodos históricos distintos, os últimos anos do Império Otomano e meados dos anos 1990, o livro fala justamente não apenas do genocídio, mas também da importância do seu reconhecimento. Orhan, um jovem comerciante turco originário de Sivas, decide viajar para os Estados Unidos depois de descobrir que o avô recém-falecido deixara em testamento a casa familiar para uma total desconhecida, uma senhora de quase noventa anos, residente em um lar de velhos nos arredores de Los Angeles. Lá chegando, com o intuito de persuadir a mulher a abdicar de sua parte da herança, o jovem dá de encontro com Seda, uma mulher misteriosa e arredia, cuja trajetória de vida está intrinsicamente ligada ao passado de sua própria família. Por meio de longas digressões até meados de 1915, período em que se iniciaram os massacres que exterminaram uma população de cerca de 1 milhão de pessoas, Orhan vai aos poucos descobrindo a relação entre Seda e o seu falecido avô, e como o seu legado familiar encontra-se alicerçado sobre uma grande mentira e um crime de Estado.

Como seria de se esperar de um romance sobre um holocausto, a trama é bela, porém feita sob medida para comover, repleta de pathos e de tragédias sensacionais, mas nem por isso menos reais. No seu afã de abarcar um longo período de história, a escrita se torna superficial, perdendo o espaço da reflexão mais aprofundada que o tema teria merecido. Por isso não é, e nem jamais chegaria a ser, uma grande pérola da literatura, mas foi sem dúvida bem escrito, e trará a qualquer leitor momentos de agradável leitura. Se de “agradável” se pode falar quando mulheres são violadas, enquanto outras obrigadas a dar à luz em plena marcha da morte. Talvez, no final, o leitor também fique frustrado por ter estado à espera de que as origens do protagonista fossem outras, e o reconhecimento mais pungente. Mas não é verdade que nem sempre os livros acabam como gostaríamos?

Ler para relembrar.

 

Título original: Orhan’s Inheritance

País: Armênia

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2015

Edição em inglês: Algonquin Books (ISBN: 978-161-6203-74-0)

Edição em português: não há

Número de páginas: 352 (edição em inglês)

Vermelho como o sangue, de Salla Simukka

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De partida para sete semanas no sul do continente africano, mas consciente de que estou em dívida para com este blog, bem como para com o meu projeto de ler o mundo, deixo-vos esta breve resenha como presente de despedida.

Não sei se terei tempo e/ou condições (leia-se: uma conexão internet decente) para continuar resenhando as minhas façanhas literárias ao longo das próximas sete semanas, por isso não queria deixar mais um domingo passar batido. Para isso, optei por um livro bastante diferente do cenário no qual minhas viagens reais me levarão daqui a poucas horas. Afinal de contas, Vermelho como sangue tem neve, muita neve. Trata-se, sim, de mais um romance policial escandinavo – embora, infelizmente não na sua melhor forma.

Eis um resumo da trama em poucas linhas: um grupo de adolescentes ricos e drogados na cidade de Tampere encontra uma mala cheia de notas de 500 euros manchadas de sangue, e decide ficar com ela. Seu segredo é descoberto pela protagonista Lumikki Anderson, igualmente adolescente, considerada por todos a “esquisitona” do colégio, no maior formato comédias românticas estadunidenses. A menina, no entanto, não é apenas pobre e estranha, mas também – grande surpresa! – inteligente, e acaba se tornando uma peça essencial para desvendar o mistério da mala misteriosa, envolvendo-se para isso com a máfia local – inevitavelmente russa, e inevitavelmente sem coração.

A boa notícia é que o livro lê-se rápido, e que o mistério, embora facilmente desvendável, apresenta até meia dúzia de pequenas surpresas. A má é que se trata de um livro raso, repleto de clichês, que imita grosseiramente os grandes mestres do policial escandinavo, como Stieg Larsson e Jo Nesbø, sem nem mesmo tentar disfarçar. Como se não fosse o suficiente, a tradução em português feita por Anna Toivola Câmara Leme, está repleta de erros e incoerências, bem como de inversões anglófonas absolutamente inexistentes na língua portuguesa. Se, por um lado, uma série de questões em aberto deixam ao leitor o desejo de conhecer o resto da história – afinal, hoje em dia, sofremos de uma grande praga segundo a qual todo livro tem que logo virar série -, a qualidade deste primeiro faz com que fique difícil convencer-se a continuar.

É claro, podemos argumentar, não estamos diante de um romance a ser levado a sério, mas sim de um thriller para o público jovem. Mas será que os chamados “jovens adultos” não merecem coisa melhor? No meu tempo, devoravam-se os romances de mistério infanto-juvenis de Sidney Sheldon, que também não eram supostos serem levados a sério, mas que sem sombra de dúvida eram muito melhores.

Já não se faz nem mesmo literatura comercial como antigamente!

 

Título original: Punainen kuin veri

País: Finlândia

Idioma original: finlandês

Ano de publicação: 2013

Edição portuguesa: Presença (ISBN: 978-972-2354-43-1)

 

Número de páginas: 216

 

 

Eu sou Malala, de Malala Yousafzai e Christina Lamb

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Eu sou Malala é um livro que dispensa apresentações. Mais famoso que Paulo Coelho, mais disputado que o último CD de Justin Bieber, o livro que narra a trajetória da “menina que foi baleada pelo Talibã” correu rapidamente o mundo, fazendo da jovem paquistanesa uma figura carimbada, e servindo de trampolim para que ela se tornasse o mais jovem Prêmio Nobel da Paz de todos os tempos. Ironicamente, o que Malala não cansa de repetir ao longo das quase 400 páginas de sua autobiografia é que ela não desejava ser conhecida por ter tomado um tiro no rosto, mas sim pela sua luta para promover a educação em seu país de origem. Mas será que o seu ativismo político é realmente o motivo de tão grande celebridade?

Para já, chamar o best seller de autobiografia por si só deveria levantar uma série de reticências: sabemos que o livro foi escrito em coautoria com a jornalista inglesa Christina Lamb, especialista em países de democracia duvidosa, como o Oriente Médio, a África do Sul e o Brasil. Se os méritos de uma narrativa tão detalhada – e muitas vezes até mesmo aborrecida – só podem ser atribuídos à própria Malala, foi sem dúvidas a experiente jornalista quem conseguiu transformar a matéria bruta num sucesso comercial, digno dos 3 milhões de dólares que a menina teria recebido pelos direitos autorais.

Seria perda de tempo (meu e vosso) dedicar mais de meia dúzia de linhas ao enredo mais que conhecido: Malala, uma estudante da região de Swat, tornou-se conhecida graças ao seu discurso em prol da escolaridade de meninas em seu país natal, devastado pelo Talibã. Sua loquacidade só se tornou possível graças ao apoio do pai, diretor da escola onde estudava e empenhado combatente pelos Direitos Humanos. O comportamento pouco convencional de pai e filha fez com que terminassem na mira dos fanáticos islamistas, que os acusavam de secularização e ocidentalização. Mas não estamos aqui para julgar a coragem de Malala, mas sim a qualidade de sua biografia.

O livro, bastante recheado, e decorado por uma longa sessão de fotografias em guisa de apêndice, tenta intercalar os quinze anos de vida de Malala a um vasto aparato de informações históricas, no intuito de alinhar a micro e a macro narrativa. Tudo isso, é claro, sem deixar de lado inúmeras anedotas do cotidiano, como as banais historietas de disputas com as amigas pelo título de melhor aluna da escola, a fim de oferecer ao leitor uma Malala mais “humana”, cheia de erros, mas que não deixou que o sucesso e a celebridade lhe subissem à cabeça. Tal fórmula, acrescida das incontáveis frases de efeito motivacional que poderiam ter sido retiradas diretamente de O alquimista, tornam a leitura enervante, e não nos surpreendemos nem um pouco ao descobrir que a heroína pela educação é, de fato, uma fã de carteirinha do escritor brasileiro mais vendido de todos os tempos. Para terminar, o livro surpreende pela falta de espírito crítico de uma menina tão politizada, quando se trata de elogiar sem precedentes um outro ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, no qual ela parece não ver nem a sombra de boa parte da culpa pela presença dos talibãs em seu amado Paquistão. Ironicamente, os mesmos talibãs que quase conseguiram silenciá-la. Seria a Malala tão ingênua, ou tratar-se-ia apenas de um recurso editorial para fazer o livro mais apresentável, mais conforme à sensibilidade do leitor ocidental? A julgar pelo fato de que, em entrevistas e debates anteriores à publicação da biografia, Malala levantou sim a voz para criticar abertamente a intervenção militar e as políticas estadunidenses no Paquistão, tendo a me deixar levar pela segunda opção.

Obviamente, não estou a colocar em causa a importância da mensagem que Malala veio dar ao mundo, mas sim a parcialidade e o maniqueísmo de um livro feito para agradar as grandes massas. Um livro que perdeu uma excelente oportunidade de contextualizar o crescimento da força de grupos extremistas a partir de 2001, e de questionar o papel dos Estados Unidos e da “luta contra o terror” no crescente estado de guerra que domina o Oriente Médio.

Ao fim de uma leitura não completamente maçante, mas que mesmo assim me custou duas semanas, fica a lição: da próxima vez, eleger uma obra de literatura de verdade.

Título original: I Am Malala: The Girl Who Stood Up for Education and Was Shot by the Taliban

País: Paquistão

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2012

Edição brasileira: Companhia das Letras (ISBN 978-853-5923-43-8)

Edição portuguesa: Presença (ISBN: 978-972-2351-73-7)

Número de páginas: 360 (edição brasileira), 352 (edição portuguesa)

 

 

Unburnable, de Marie-Elena John

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Algumas histórias nos prendem a partir do primeiro parágrafo. Um romance mesclando o realismo fantástico latino-americano e o pragmatismo estadunidense, com forte viés feminista, que narra a trajetória de mulheres peculiares numa ilha perdida no meio do Caribe, estava fortemente fadado a chamar minha atenção. Eis o meu estado de ânimo ao começar a ler Unburnable, da novata Marie-Elena John.

Escritora de primeira viagem, John não tenta mascarar os motivos pelos quais decidiu se embrenhar na literatura. A autora, originária da pequena Dominica (não confundir com a muito mais proeminente República Dominicana), desejava escrever romances comerciais enquanto era obrigada a abdicar da carreira para se dedicar aos filhos pequenos. Que seu primeiro rebento literário se tornasse tudo menos um romance comercial tradicional, foi fruto de uma evolução que nem ela própria havia previsto. Foi como se a história de seu país de origem a tivesse impelido a algo muito mais denso e ousado que suas pretensões iniciais.

Unburnable narra a história de três gerações de mulheres de uma mesma família, sobre as quais parece pairar uma maldição descendente de sua força e inadequação às regras do mundo machista. Matilde, a avó, foi uma espécie de curandeira descendente de escravos fugidos, vivendo numa espécie de quilombo regido pelo matriarcado e por forte reminiscência do animismo africano. Iris, a mãe, carregava em seu sangue a mescla do sangue negro com o índio nativo, e foi tragada à ruína devido a sua incomparável beleza e ao apetite sexual fora da normalidade. Lilian, a filha, em cujo sangue cafuzo da mãe se mesclava a descendência longínqua do branco colonizador, foi criada por uma mãe de adoção segundo os preceitos da igreja católica, sem sequer desconfiar que as ladainhas cantadas pelas crianças da escola sobre a feiticeira enforcada e o estupro com uma garrafa de Coca-Cola diziam respeito à mãe e à avó. Confrontada com a verdade, isola-se de suas origens num exílio de mais de vinte anos nos Estados Unidos, até que o desejo de descobrir a verdade sobre suas antepassadas – bem como o de provar a inocência da avó, enforcada sob a acusação de assassinatos em série – faz com que retorne à terra natal. Acompanhada, aliás, por uma espécie de namorado, cuja utilidade do ponto de vista narrativo ainda estou por descobrir.

Um enredo como este será capaz de tirar o fôlego de qualquer leitor, sobretudo se levarmos em conta o imenso trabalho historiográfico empreendido pela autora, que procura resgatar por meio de suas personagens um pouco da riqueza de seu país. Contudo, o que sua inexperiência não lhe permitiu fazer foi justamente aquilo que para muitos autores tivesse sido talvez o mais fácil: criar uma protagonista realmente carismática. Ao fim e ao cabo, sobretudo se tomarmos em conta o peso da personalidade de suas duas antepassadas, a heroína Lilian soa-nos simplesmente mimada, egoísta e neurótica. Como se o sangue forte de Matilde se tivesse diluído com o tempo, como tinta negra em contato com a água.

Aliado ao fato de que a trama deixa diversos pontos sem nó, sobretudo no que diz respeito ao final demasiado aberto, a falta de carisma de Lilian faz com que o livro perca uma série de pontos, sem contudo despencar num abismo. Ao pesarmos seus pontos fortes e fracos, chegamos à conclusão de que se trata de uma boa leitura – boa, mas não excelente.

Nada mal para uma primeira tentativa!

Título original: Unburnable

País: Dominica

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2006

Edição em português: não encontrada

Edição em inglês: Harper Collins (ISBN: 978-006-1977-88-6)

Número de páginas: 302

O homem é um grande faisão no mundo, de Herta Müller

Müller_Faisão

Tenho estudado a língua de Goethe desde exatamente a metade dos meus anos de vida. E se tanto esforço e dedicação serviram para me permitir hoje ler Herta Müller no original, então o esforço valeu a pena: O homem é um grande faisão no mundo, de autoria da premiada escritora romena de expressão alemã, é simplesmente um soco na boca do estômago!

Escrito em 1986, o livro conta a história de uma pequena família de ascendência alemã vivendo num minúsculo vilarejo perdido na região de Banat, no oeste da Romênia, em plenos anos de ferro da ditadura de Nicolae Ceaușescu. Culturalmente germânicos, os três membros da família Windisch aguardam sem grande esperança a chegada da tão sonhada autorização que lhes permitirá imigrar para a Alemanha Ocidental, enquanto a maioria de seus conhecidos romeno-alemães já partiu em debandada. Seu cotidiano difícil e sofrido, como vítimas de exclusão e corrupção por não serem romenos, bem como seus demônios internos e seu passado traumático, são narrados de forma arrastada, enquanto a vida parece se encontrar em stand-by… Até que eles se deparam com a dura realidade: a fim de obter a tão esperada carta, é preciso enviar sua única filha para saciar o apetite sexual dos poderosos de plantão.

Superada uma eventual dificuldade inicial, o livro curto – com pouco mais de cem páginas – pode ser lido numa só assentada. É verdade que pode não ser fácil habituar-se ao estilo literário da escritora, ganhadora do Prêmio Nobel da Literatura de 2009. Suas frases extremamente curtas e concisas, que dispensam orações subordinadas e flertam com o vocabulário da língua alemã numa espécie de prosa poética, podem gerar no leitor desavisado uma certa resistência inicial, a qual no entanto se desvanece ao cabo de uma dezena de páginas, dando lugar a uma latente admiração. Afinal, a densidade de seus escritos, sua prosa honesta e dolorosa, bem como seu alto teor poético, fazem da escritora uma verdadeira alquimista das letras, daquelas que conseguem transpor todo um universo psicológico por meio da junção de meia dúzia de palavras. Uma prosa lacônica, de fato, mas muito bem colocada, na qual não se dispersa energia em adornos desnecessários, colocando-se o dedo imediatamente na ferida.

Alguns de seus curtos capítulos, como aquela que descreve em pouco mais de três páginas os anos de guerra da mãe, Katharina, passados numa barraca na Rússia, ficarão para sempre ecoando na minha memória. Só mesmo um grande gênio literário é capaz de transcender as barreiras da narrativa, gerando uma identificação imediata que vai além dos limites da escrita, e permitindo-nos chorar o destino de homens e mulheres ficcionais como se de verdadeiros amigos ou familiares se tratasse. Eis a mágica de que é capaz Herta Müller. E eis o motivo pelo qual todos devemos lê-la.

Boa leitura!

Título original: Der Mensch ist ein großer Fasan auf der Welt

País: Romênia

Idioma original: alemão

Ano de publicação: 1986

Título brasileiro: O homem é um grande faisão no mundo

Edição brasileira: Companhia das Letras (ISBN: 978-853-5922-16-5)

Título português: O homem é um grande faisão sobre a Terra

Edição portuguesa: Cotovia (ISBN: 978-972-8028-18-3)

Número de páginas: 136 (edição brasileira), 112 (edição portuguesa)