American Gypsy, de Oksana Marafioti

Marafioti, Gypsy

Quem estiver interessado, encontrará facilmente outros (poucos) blogs dedicados a um projeto parecido com o meu: ler um livro de cada canto do mundo. Porém, pesquisando suas listas de leituras, surpreendo-me com tentativas horrendas de forçar uma determinada nacionalidade em cima de um livro, em nome de completar a lista a todo custo. Sete Anos no Tibet, por exemplo, passa a ser um livro do Liechtenstein, porque o autor austríaco viveu nesse país durante alguns anos, enquanto o ultracolonialista Coração das Trevas, de Joseph Conrad, entra na lista como um livro do Congo. Como determinar a nacionalidade de um livro? Quais os critérios a serem levados em consideração?

Foi pensando nisso tudo que descobri Oksana Marafioti, uma cigana que nasceu num país que não existe mais, passou a infância e a juventude de cidade a cidade, e se radicou nos Estados Unidos aos quinze anos de idade. Neste, todos os possíveis critérios de identidade simplesmente não se aplicam – e eis justamente o que confere beleza à sua narrativa.

American Gypsy é um relato estritamente pessoal, escrito em primeira pessoa, sobre os anos de formação de uma rapariga  pouco comum. Filha de pai cigano e mãe armênia, Oksana cresceu junto à família do pai, uma trupe de artistas que faziam espetáculos de música e dança por toda a União Soviética. Pouco antes da queda do regime de Stalin, a família conseguiu imigrar rumo à cidade de Los Angeles, onde Oksana tenta então montar o quebra-cabeças da própria personalidade. Nascida na cidade de Riga, hoje capital da Letônia, e oriunda de um país que deixou de existir, a menina que sentira na pele o preconceito decorrente de seu sangue cigano, sonha em ser um dia uma verdadeira americana – a exemplo de um Pinóquio contemporâneo que deseja se tornar um menino de verdade. Suas memórias dos primeiros anos em território americano são entrecortadas por digressões que nos remetem aos confins da Rússia, intercalando passado e presente narrativo de modo a revelar, pouco a pouco, uma biografia peculiar.

Nos Estados Unidos, Oksana descobre que ser cigana não é tão mau assim. Sua origem confere-lhe ares de exotismo, embora o que a adolescente mais anseia é anular suas idiossincrasias, passando a ser só mais um rosto na multidão. Filha de uma mãe alcoólatra e de um pai errante, que abandona a família para viver com a amante mal colocam os pés na terra do Tio Sam, Oksana descreve sua tentativa de se integrar em meio a brigas, ameaças de casamento arranjado e seções de exorcismo, num mundo que pode ser tudo, menos “normal”. Com o tempo, a menina soviética taciturna e sem amigos consegue encontrar o seu lugar no mundo, e se dá conta de que sua força reside justamente naquilo que a distingue dos outros.

Do ponto de vista narrativo, American Gypsy é um livro sem grandes destaques: o texto é correto, sem fortes demonstrações de virtuosismo literário, mas também sem graves defeitos a serem criticados. Seu vocabulário muitas vezes rebuscado, bem como seu apego pelo preciosismo, refletem a busca de uma autora estrangeira por apoderar-se ao máximo de uma língua que não é a dela, o que, longe de atrapalhar, confere à leitura maior autenticidade. Tudo isso é entremeado por uma série de fotografias do álbum familiar de Oksana, criando uma ponte entre realidade e ficção. Eis a fórmula de um livro interessante, que abre uma pequena fresta para um universo que nos é alheio, e que só por isso já merece ser lido. Um livro que é tão letão ou tão americano quanto é universal.

Título original: American Gypsy: A Memoir

País: Letônia

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2012

Edição em português: não há

Edição em inglês: FSG Books (ISBN: 978-037-4104-07-8)

Número de páginas: 383 (edição em inglês)

 

Festa no covil & Se vivêssemos em um lugar normal, de Juan Pablo Villalobos

Villalobos_Lugar Para compensar a ausência na primeira semana de abril, a resenha deste domingo será dupla: até porque os livros em questão são tão curtinhos que, mesmo que fossem um, ainda assim teria poucas páginas: trata-se de Festa no covil e Se vivêssemos em um lugar normal, do escritor mexicano Juan Pablo Villalobos.

Marinheiro de primeira viagem à altura do lançamento de Festa no covil, Villalobos começou logo por uma trilogia, cujo foco é retratar as diferentes facetas da sociedade mexicana “contemporânea”. Lançado em 2010, Festa no covil só pode ter sido classificado como romance por alguém sem a menor noção de gênero narrativo: trata-se nitidamente de uma novela. O narrador em primeira pessoa é um menino de idade indefinida, herdeiro de um poderoso narcotraficante, que vive isolado em um palácio no meio do nada. Uma vez que seu parco conhecimento do mundo seja oriundo da tevê, bem como das “treze ou quatorze pessoas” que conhece, o menino alcunhado Tochtli apresenta uma visão deveras distorcida da realidade, e tenta romper a monotonia de uma solidão forçada cultivando caprichos. O mais novo deles, obter um hipopótamo anão da Libéria para completar seu mini-zoológico, levá-lo-á a esse inóspito país africano, embora as coisas não saiam exatamente como planejado.

Se o próprio autor define Festa no covil como um “experimento”, é preciso reconhecer que o sucesso do mesmo tem limites. Embora a cadência seja leve e a história interessante, o narrador infantil nem sempre convence – mesmo sendo a criança em questão um pequeno príncipe maníaco que vive numa fortaleza sem contato com o mundo exterior. Simplesmente, ao compararmos com outros livros contemporâneos que exploram o recurso da voz narrativa infantil – como o arrebatador Quarto, de Emma Donoghue, e Precisamos de novos nomes, de NoViolet Bulawaio –, o “menino” de Festa no covil parece demasiado forçado. Nada mal para um experimento, mas tampouco bom o suficientemente.

Se vivêssemos em um lugar normal, segundo volume da trilogia, apresenta uma história com um núcleo mais amplo. A ação se desenrola no pequeno povoado de Lagos de Moreno, exatamente no centro do México, em meados dos anos 1980. Orestes, o narrador-protagonista, é filho de um professor de escola pública esquerdista, e vive com os pais e seis irmãos num casebre do “Morro da Puta que Pariu”. Em meio à crise econômica, às tentativas de tomada de poder de rebeldes opositores e ao turbilhão hormonal típico da pré-adolescente, uma de suas maiores preocupações é descobrir se é de fato “pobre” ou se pertence à “classe média”. Quando seus irmãos mais novos, os “gêmeos falsos”, desaparecem, Oreo vê na tragédia familiar a possibilidade de uma ligeira ascensão social, já que as duas bocas a menos significam um aumento considerável no número de tortilhas que lhe cabem. Mais tarde, quando um empreendedor polonês descobre o potencial imobiliário do “Morro da Puta que Pariu”, a família lutará com todas as forças para não ser desalojada – embora saibamos que, na vida real, David é sempre esmagado por Golias.

Narrado com uma linguagem ácida e repleta de palavrões, o livro tece uma acurada crítica sociopolítica, ao mesmo tempo em que explora a questão da identidade social mexicana. Em suas curtas páginas, o autor é capaz de levar o leitor, através da perspectiva do menino, a uma espécie de elucidação dos mecanismos de poder que regem o chamado terceiro mundo, da encruzilhada em que se encontram aqueles que estão na base da pirâmide social, e da ilusão de se poder fugir do sistema. Nesse sentido, e apesar dos contextos histórico-econômicos deveras diferentes, é possível ver no livro um claro paralelo com a condição do pobre no Brasil, em Portugal, ou em qualquer outra parte do mundo.Por tudo isso, e não só pelas detalhadas descrições gastronômicas que deixam qualquer leitor de água na boca, Se vivêssemos em um lugar normal pode ser considerado um livrinho delicioso.

Te vendo un perro, terceiro volume da trilogia, foi lançado em espanhol em outubro do último ano, e ainda não foi traduzido para o português. Se o primeiro não é mal e o segundo é mesmo bom, basta esperar que o terceiro venha a ser ainda melhor!  

Títulos originais: Fiesta en la madriguera e Se viviéramos en un lugar normal

País: México

Idioma original: espanhol

Ano de publicação: 2010 e 2012

Edição brasileira: Companhia das Letras (ISBN 978-853-5920-26-0 e 978-853-5923-24-7)

Edição portuguesa: não há

Número de páginas: 96 (Festa…) e 160 (Se vivêssemos…)

Antichrista, de Amélie Nothomb

Nothomb_Anthéchrista Amélie Nothomb não é uma autora para qualquer um. Conhecida por sua obsessão pelo sadismo, pela ousadia no tratamento do sombrio, assim como pelo mélange entre fantasia e realidade, essa notável escritora belga de poucas palavras encanta tantos quanto incomoda. Antichrista, lançado em 2003, não faz exceção à regra.

O livro, que em sua edição original não passa das 150 páginas numa formatação generosa, conta a história de Blanche, uma adolescente que, apesar de mal ter completado os 16 anos, cursa o primeiro ano de Ciências Políticas na Universidade de Bruxelas. À exceção da precocidade nos estudos, a menina não sobressai em mais nada – é tímida, introvertida, e tem o físico de uma tábua. Mas sua vida sem eventos se transforma quando uma estudante igualmente jovem interessa-se por ela. Christa, a menina em questão, é o seu antônimo absoluto: linda, extrovertida, cativante, capaz de chamar a atenção e conquistar admiradores por onde passa. Ansiosa por finalmente fazer uma amizade, e ainda mais com uma pessoa da categoria de Christa, Blanche torna-se facilmente sua presa. No entanto, o idílio dura pouco: desprezada por aquela que tão desesperadamente procura agradar, mas que a elegeu como vítima de um jogo marcado pela perfídia, a (anti)Christa não se cansará enquanto não tirar dela absolutamente tudo: seu quarto, o amor de seus pais, seu corpo, sua dignidade. Tomando como premissa a rivalidade feminina na adolescência, a autora explora de maneira ímpar um tema de atualidade universal: a miséria afetiva do século XXI.

Se tem uma coisa da qual não se pode acusar Amélie Nothomb é de verborragia. Muito pelo contrário: a escritora é famosa pela pluma que não faz rodeios, que vai direto ao ponto e mete o dedo na ferida. Não é que ela não se perde em descrições desnecessárias: simplesmente, ela não descreve, deixando a cargo do leitor o prazer de imaginar. E ao mencionarmos prazer, temos justamente em mente uma cena de sadismo de fazer corar o mais fiel dos leitores de Cinquenta Tons de Cinza. Vantagem de um lado, desvantagem de outro: verdade é que a escassez de palavras, característica de seus outros livros, atinge em Antichrista um extremo absoluto, fazendo com que a história, que facilmente poderia ter rendido no mínimo o dobro de páginas, seja praticamente abortada. Como resultado, não dá tempo de haver um verdadeiro desenvolvimento das personagens, e o livro se torna plano ao ponto do inverossímil: nem a juventude de Blanche condiz com sua serenidade de espírito, nem sua inicial passividade bovina com a rápida capacidade de reação.

Dessa forma, desperdiça-se uma boa oportunidade de contar uma história marcante, e aquele que facilmente poderia ter sido o Nabokov do século XXI torna-se uma novela divertida, que ninguém será capaz de abandonar antes de chegar à última página – até porque ela é tão curta que seria quase impossível –, mas que nada tem de inesquecível.

Apesar dos pesares, verdade seja dita: para seus súditos fiéis, a escrita de Nothomb é sempre um deleite. Tão cínica e manipuladora quanto a própria personagem que dá nome ao livro. Ame-a ou deixe-a.

Título original: Antéchrista

País: Bélgica

Idioma original: francês

Ano de publicação: 2003

Edição em português: Edições Asa (ISBN 978-972-4145-32-7)

Número de páginas: 96

O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação, de Haruki Murakami

Capa_O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrina‹o.ind

Amigos grandes leitores, preparem-se para um deleite literário, emocional e auditivo: o mais recente romance do japonês Haruki Murakami, figura carimbada em todas as listas de best sellers que se prezem e diversas vezes cotado como o próximo laureado do Prêmio Nobel da Literatura.

O incolor Tsukuru Tazaki é um desses livros que penetram no pensamento do leitor, e que depois já não lhe saem da cabeça. A história é um paradoxo: simples, porém complexa. Tsukuru, o protagonista, tem 36 anos e sofre de uma espécie de barreira emocional. Quando conhece Sara, uma mulher mais velha por quem se apaixona, decide contar-lhe o grande trauma da sua juventude: há mais de vinte anos, foi expulso sem explicações do grupo de amigos que era a coisa mais importante da sua vida. Quando se conheceram, eram todos adolescentes, e tornaram-se inseparável, formando uma espécie de pentágono perfeito. Eram dois rapazes e duas meninas, cada um deles trazendo no nome o anagrama de uma cor. Exceto ele, Tsukuru, cujo nome significa “fazer”. Daí a ser chamado pelos outros de incolor. Daí também a se sentir inferiorizado, como se os outros fossem se dar conta a qualquer momento que ele não lhes servia para nada. Agora, duas décadas mais tarde, sob influência de Sara, Tsukuru decide procurar os antigos amigos a fim de finalmente tentar desvendar o mistério que lhe deu cabo da existência: por que é que eles resolveram, de uma hora para a outra, deixar de lhe falar?

Um resumo dificilmente poderia dar conta da imensidão de um romance como esse, repleto de peças mal-encaixadas e metáforas pairando no ar. Ao passar os olhos pelas últimas linhas, o leitor provavelmente perguntar-se-á se perdeu alguma coisa, se passou ao lado de alguma informação essencial, como a chave para juntar todos os elementos apresentados. O livro fala de projeções e expectativas frustradas, da imagem que fazemos de nós mesmos, daquela que os outros fazem de nós, bem como da que pensamos que eles fazem. Mais do que tudo, ele relembra-nos a importância de resolvermos as nossas pendências, tirando o passado a limpo como forma de nos prepararmos para finalmente seguir em frente. E, como na vida nem sempre temos resposta para tudo, Tsukuru também nos deixará muitas vezes sem resposta. Ou seja, trata-se de um livro que é a cara o Japão: embora saibamos que jamais seremos capazes de compreende-lo totalmente, isso não nos impede de nos apaixonarmos por ele.

Meu maior arrependimento em ter escolhido Murakami como o autor número 35 de um projeto que inclui a leitura de por volta de 200 livros/países é que, para eu finalmente poder ler o meu próximo Murakami, ainda terei que esperar ter lido outros 165. Que bom que a melhor espera é aquela que é por algo que realmente vale a pena!

Para ler ouvindo “Le mal du pays”, de Franz Liszt, na interpretação de Lazar Berman:

Título original: Shikisai o motanai Tazaki Tsukuru to, kare no junrei no toshi

País: Japão

Idioma original: japonês

Ano de publicação: 2013

Título brasileiro: O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação

Título português: As peregrinações do rapaz sem cor

Edição brasileira: Alfaguara (ISBN 978-857-9623-37-0)

Edição portuguesa: Casa das Letras (ISBN 978-972-4622-66-8)

Número de páginas: 328 (edição brasileira), 360 (edição portuguesa)

Persépolis, de Marjane Satrapi

Satrapi_Persepolis

Marje é uma menina como outra qualquer. Ou talvez não exatamente. Filha única de intelectuais de esquerda, seu livro preferido é uma versão em quadrinhos de Marx e Descartes. Com apenas dez anos, é dona de uma língua afiadíssima, sonha em reparar as injustiças do mundo, e deseja, quando crescer, tornar-se profeta. Marje não vê problemas em dizer o que pensa, e foi educada pelos pais de forma a não conhecer limitações – nem por ser mulher, nem por ser iraniana. Ou seja: tudo exatamente ao contrário dos preceitos da Revolução que transformou seu país, de uma monarquia laica e aberta ao mundo, em um Estado islâmico fechado e conservador.

Persépolis, título da autobiografia em quadrinhos da artista gráfica iraniana Marjane Satrapi, refere-se ao nome da antiga capital do Império Persa, e pretende lembrar-nos que o país hoje conhecido pelo extremismo religioso foi outrora o berço de uma civilização moderna e sofisticada, e que o Islamismo lhe foi impingido com violência. Com isso, presta uma homenagem a todos os seus antepassados que morreram lutando pelos ideais democráticos e pela igualdade de direitos.

O livro, originalmente publicado em quatro tomos, acompanha a conturbada vida da protagonista do final dos anos 70 até meados da década de 90. A primeira parte – e talvez a mais interessante – mostra-nos a revolução sob a perspectiva inocente de uma criança, cuja vida é lentamente transformada quando as escolas estrangeiras são fechadas, meninos e meninas separados, e as meninas obrigadas a portar o véu. A segunda mostra-nos uma Marje corajosa e rebelde, em plena pré-adolescência durante a Guerra Irã-Iraque, cada vez mais confrontada com a violência à sua volta, mas que não se dá conta dos perigos aos quais sua insubordinação a sujeita. A terceira acompanha os anos de solidão, desraizamento e perdas em que a adolescente, mandada para Viena a fim de terminar seus estudos, torna-se uma estrangeira, distanciando-se cada vez mais de si mesma e das suas origens. Por fim, a última parte trata do seu retorno ao Irã, da readaptação impossível, do choque de mentalidades, e das reviravoltas da vida até tornar-se suficientemente madura ao ponto de finalmente deixar o país.

A maioria dos grandes leitores já deve ter ouvido falar de Persépolis, nem que seja graças ao filme homônimo ganhador do prêmio do jury no Festival de Cannes de 2007. Àqueles que já viram o filme e estavam até agora postergando a decisão de ler o livro: não esperem mais. Se o filme já era bom, o livro nem se compara. A grande diferença fica por conta do ritmo: enquanto o filme se atropela para fazer caberem 360 páginas em meros 95 minutos, o livro agracia-nos com o compasso mais lento e a riqueza de detalhes. A diferença é impressionante.

Com um argumento pungente e extremamente bem escrito, o livro prova ao mais cético dos leitores que a graphic novel é, sim, literatura, enquanto a imagem complementa, dá vida e movimento à palavra escrita. O traço em preto e branco é simples e agradável aos olhos, o texto é sério e ao mesmo tempo divertido. Uma leitura que entrará para os favoritos de muita gente.

E para quem já leu o livro, mas ainda não viu o filme:

Para o filme completo, clique aqui.

Título original: Persepolis

País: Irã

Idioma original: francês

Ano de publicação: 2000-2003

Edição brasileira: Companhia das Letras (ISBN 978-853-5911-62-6)

Edição portuguesa: Contraponto (ISBN 978-989-6661-12-0)

Número de páginas: 352

Close your pretty eyes, de Sally Nicholls

Nicholls_Eyes

Close your pretty eyes é um livro britânico lançado há pouco que, se ainda não está disponível em português, com certeza daqui a pouco estará – e que bom! Sua autora, a talentosíssima Sally Nicholls, tem pouco mais de trinta anos, mas já conquistou leitores do mundo todo com três outros romances. A julgar pela sensibilidade e criatividade de seu mais novo trabalho, este também se tornará o preferido de muita gente por aqui.

O livro conta a história de Olivia, uma menina de onze anos que cresceu de casa em casa, entre uma mãe alcoólatra, lares provisórios abusivos, orfanatos sem alma, e famílias de adoção que mais cedo ou mais tarde acabam sempre por livrar-se dela. Olivia já passou por tantas coisas ruins que poderia ser classificada como sofrendo “danos irreparáveis”: incapaz de confiar nos outros ou de lidar com suas próprias emoções, ela sofre de transtorno dissociativo, torna-se irascível de um momento ao outro, e acaba se tornando uma ameaça para as pessoas à sua volta. Tudo isso é contado pela voz da própria menina, que intercala a narrativa de suas experiências recentes às lembranças do passado.

Como se não bastasse os traumas sofridos, seu lar atual é um velho casarão que ela acredita estar assombrado pelo fantasma de Amelia Dyer, uma famosa (e real!) psicopata vitoriana, considerada a maior serial killer de todos os tempos. Por meio da fantasma, a autora cria uma ponte para um fundo histórico quase relegado ao esquecimento: as baby farms (fazendas de bebês) inglesas, nas quais as mães de filhos ilegítimos eram obrigadas a deixar sua prole a fim de evitar as sanções sociais da conservadora sociedade vitoriana. Conhecidas pelas atrocidades cometidas contra bebês indefesos, o fato de uma antiga baby farm se tornar a morada de uma criança vítima de abusos torna-se numa coincidência terrível, capaz de levar a menina ao limite da loucura, e a obrigar a enfrentar seus próprios demônios.

Olivia faz pensar em Beth Thomas, a pequena psicopata do documentário Child of Rage (em português: A ira de um anjo. Para ver, clique aqui), de 1992. É impossível conhece-la sem se apaixonar por ela, ou sem odiar o resto do mundo: um mundo que ainda não aprendeu a zelar pela inocência das crianças. Embora esteja voltado para o público adolescente, se qualquer adulto pode se encantar com Close your pretty eyes, isso se deve à capacidade da autora de, partindo de uma linguagem simples e infantil, construir um universo psicológico profundo e intricado – coisa que bem poucos romances “adultos” são capazes de fazer.

Aviso aos navegantes: este facilmente poderá vir a ser um dos livros mais tristes que você já leu. Ainda assim, e apesar do tema forte, trata-se de um romance bem equilibrado, que emociona ao mesmo tempo que entretém. Para quem não quiser esperar pela tradução, boa notícia: sua linguagem fácil e simples torna-o acessível a todos aqueles que arranharem no inglês, ou até mesmo propício aos que desejarem melhorar seus conhecimentos no idioma. Senão, sempre se pode começar pelos outros livros da autora: Ways to Live Forever (no Brasil: Como Viver Eternamente; em Portugal: O menino que sonhava chegar à Lua), Season of Secrets (lançado no Brasil com dois títulos pela mesma editora (vai entender!): A menina que conversava com o verão e Temporada de segredos), e All Fall Dawn.

Em suma: uma excelente leitura para as férias de natal!

Título original: Close Your Pretty Eyes

País: Inglaterra

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2013

Edição em português: não há

Edição inglesa: Scholastic (ISBN 978-140-7124-32-2)

Número de páginas: 240

Edição inglesa: Scholastic (ISBN 978-140-7124-32-2)

Número de páginas: 240

A culpa é das estrelas, de John Green

ImagemQual o segredo para se escrever um livro de sucesso? Primeiramente, é preciso tratar-se de uma história que alcance o maior número de leitores possível. Suas personagens, apesar das singularidades que fazem delas pessoas extraordinárias, devem ser suficientemente comuns para que haja identificação e aceitação por parte do público. Idealmente, o texto deve ser permeado de referências que remetem diretamente ao universo de experiência do leitor. A linguagem deve ser fácil, os diálogos verossímeis… E, se a trama for capaz de trazer o público do riso às lágrimas, o sucesso estará garantido.

Não é difícil perceber o motivo pelo qual A culpa é das estrelas é atualmente o livro mais vendido do Brasil. Em primeiro lugar, o romance, escrito por um autor conhecido graças à internet, obteve um enorme sucesso nos Estados Unidos, tornando-se um best seller antes mesmo de ser publicado. Em segundo, insere-se no gênero infanto-juvenil – e não é de hoje que os adolescentes formam um dos públicos-alvo mais eficazes do mercado literário. Ademais, narra uma história de amor, e histórias de amor, quando bem escritas e sobretudo bem divulgadas, geralmente vendem bem.

Sem dúvida, John Green acertou na fórmula. Narrado em primeira pessoa, A culpa é das estrelas conta a história de Hazel, 16 anos, e Augustus, 17, e trata de experiências tão corriqueiras como o primeiro amor, a descoberta do outro, a entrega, e também a perda. Mas se engana quem pensar que estamos diante de adolescentes como outros quaisquer. O elemento de singularidade que distingue seus protagonistas, aquilo que os torna extraordinários em sua mundanidade, é justamente a sua fraqueza: a doença. Hazel, a narradora, foi há mais de três anos diagnosticada com câncer nos pulmões em estado terminal. Se o medicamento que toma coíbe a progressão da enfermidade, não é capaz de cura-la. Assim, vai vivendo à espera da morte, num eterno stand-by. Augustus, por sua vez, um rapaz bonito e atlético, teve osteosarcoma, doença cuja probabilidade de remissão é particularmente elevada, e vem sendo declarado saudável desde a amputação de uma perna. Fãs de literatura, de música alternativa e de jogos de vídeo, os dois se encontram e se reconhecem como espécies de almas-gêmeas num grupo de apoio a adolescentes enfermos. Aos poucos, vão se entregando um ao outro e às descobertas do amor como qualquer casal de adolescentes, embora a doença que os une confira-lhes igualmente um tom de maturidade – sentimental e intelectual – e originalidade que os distingue da massa.

E, como nem só de amor se faz a vida, e “o mundo não é uma fábrica de realização de desejos”, o texto mostra também o lado amargo do doente terminal, retratando-o não como o heroico lutador como é venerado nas homenagens post-mortem, mas como um ser humano comum, acometido por medos, momentos de fraqueza, de desespero. Um ser humano que se despede, diante da doença, até mesmo da dignidade, e se depara sozinho diante da própria insignificância.

Mas, se a escrita simples e eficaz, marcada por reflexões existenciais e pela ironia, consiste na sua principal qualidade, as fórmulas feitas e simples – talvez demasiado simples -, consistem em uma de suas fraquezas. Por vezes, o romance entra em contradição consigo mesmo ao transmitir mensagens tão planas e previsíveis como aquelas contidas nas almofadas que decoram a casa dos pais de Augustus. Se não é, por exemplo, a fragilidade que faz a beleza, e se não é graças ao sofrimento que se aprecia a felicidade, por que seriam então belas as personagens do livro? A trama é boa, eficaz, mas sem surpresa. Assim, pode-se perguntar se ainda será lido em dez, vinte anos, ou se será mais um entre tantos romances de sucesso, cheios de qualidades, sem dúvida, mas de certa forma perecíveis.

A culpa é das estrelas é um romance bem escrito, pretensioso, mas não deixa de ser um romance para adolescentes. Embora até mesmo o adolescente mais habituados ao universo da leitura possa sentir falta de um “algo mais”, de uma profundidade prometida, mas que se perde pelo caminho. Talvez fosse esse o sentimento dos próprios protagonistas, caso viessem eles a ler o romance. De todas as formas, não deixa de ser um livro agradável, desses que fazem o leitor perder o sono e o prendem até a última página. E, se é capaz de fazer os jovens renderem-se aos prazeres da leitura, nem que seja por algumas horas, que lhe sejam dados os devidos louros.

Título original: The Fault in Our Stars

País: Estados Unidos

Idioma original: inglês

Ano de publicação: 2012

Edição brasileira: Intrínseca (ISBN 978-858-0572-26-1)

Número de páginas: 288