Até que a tua morte nos separe, de Darja Donzowa

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Esqueçam tudo aquilo que pensam que já sabem sobre a literatura russa! Aqueles que só conhecem o país através das cores cinzentas de Dostoievski, Tolstoi, Tchekov e Turgueniev vão se surpreender com a sua imagem fluorescente na obra da popularíssima Darja Donzowa. Personagem midiática idolatrada pelas mulheres no país de Vladimir Putin, e ganhadora de inúmeros prêmios literários, a escritora, jornalista e apresentadora de televisão, autora de mais de 150 (!) romances policiais é a cara da Rússia contemporânea.

Talvez a melhor palavra para resumir Até que a tua morte nos separe seja “rocambolesco”. A protagonista-narradora Tanja Romanowa é uma música sem sucesso que toca em velórios para aumentar a renda, vive com dois filhos adotivos adolescentes, cinco cães e dois gatos numa mansão em ruínas na periferia de Moscou, e tem um incrível talento para se meter em sarilhos. Contratada por uma milionária para descobrir o assassino de seu pai, Tanja alia intuição ao seu amplo conhecimento de novelas policiais para desvendar os segredos daquela que à primeira vista parecia ser a família perfeita. Quer dizer, perfeita no sentido russo do termo, já que o morto era um brilhante acadêmico casado com uma mulher trinta anos mais nova, que coabitava com uma série de ex-mulheres e os filhos adultos de dois casamentos. Enquanto segue o rastro do assassino que se converte num serial killer programado para acabar com todos aqueles que o poderiam denunciar, a quarentona aprendiz de detetive não cansa de colecionar admiradores por onde passa – dentre eles um barão do petróleo e um diretor de televisão que decide transformá-la em sua mais nova superstar. Como seria de se esperar, o final dessa telenovela – com direito até mesmo a guerra de comida – será coerente à proposta. Ou seja, tão descabido e caricato como o resto todo do livro. Afinal, não estamos diante de um lúgubre Jo Nesbø, nem muito menos de uma analista Camilla Läckberg: a Rússia contemporânea está muito mais próxima do México do que da vizinha Escandinávia.

Não só a capa da edição russa lembra as capas dos livros de Marcos Rey na Série Vagalume: o conteúdo também. É claro que não estamos a falar daquilo que se considera tradicionalmente “grande literatura”, mas sim de uma autora de romances extremamente comerciais, produzidos em massa, e concebidos estritamente para suprir a demanda do público. Mas não é essa a premissa de boa parte daquilo que encontramos diariamente em nossas listas de mais vendidos? E quem disse que literatura em massa não pode ser grande à sua maneira? E o leitor que realmente não conseguir se desvencilhar do peso dos clássicos pode considerar Donzowa como uma descendente muito tardia de Gogol em seu divertidíssimo Almas Mortas, cujo humor e a ironia oferecem uma imagem ampliada e distorcida das mazelas da sociedade.

Para dizer se o estilo da autora é ou não original, teríamos não apenas que conhecer muito melhor a literatura policial russa, mas também desbravar a própria montanha de livros escritos por ela. Por isso, temos que nos contentar aqui com um julgamento puramente parcial: eis um romance realmente delicioso.

Título original: Созвездие жадных псов

País: Rússia

Idioma original: russo

Ano de publicação: 2001

Edição em português: não há

Outras edições: alemão (Aufbau Verlag, ISBN 978-374-6624-26-6)

Número de páginas: 392 (edição alemã)

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