O último livro, de Zoran Živković

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O que você diria de uma história de detetives que conjuga Stanley Kubrick e Umberto Eco, com algumas doses de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar? Eis a fórmula quase alquímica encontrada pelo escritor sérvio Zoran Živković, considerado um mestre de um gênero ao qual particularmente estou pouco habituada: a chamada “ficção especulativa”, mais popularmente conhecida como “literatura de fantasia”.

Situado algures na Sérvia durante um chuvoso mês de novembro, O último livro tem como foco uma série de mortes misteriosas ocorridas na acolhedora livraria Papyrus, administrada por duas jovens amigas. Trata-se de uma dessas livrarias puritanas, onde só se encontra “literatura séria”, e que atrai uma série de personagens cujo exotismo beira a patologia. As mortes ocorrem todas à luz do dia, enquanto a livraria se encontra em funcionamento, e têm como característica o fato de que nem a autópsia mais detalhada consegue apurar a causa do óbito. Quem melhor que um investigador literato para desvendar tal mistério? Formado em literatura, o simpático inspetor Dejan Lukić logo observa a marcante semelhança com O nome da rosa: poderia um livro estar a causar a morte daqueles que o manuseiam? Tal parece ser também a opinião da agência de segurança nacional, que vê no caso misterioso uma possível teoria da conspiração. Guiado pela intuição, bem como por seus sonhos reveladores, Lukić, que não perde tempo em engatar a bela proprietária, descobre-se diante de uma ordem secreta aos moldes de Eyes Wide Shut. Mas qual será o conteúdo do “último livro”? E, ainda mais importante, quem será o seu autor?

Uma breve olhadela na bibliografia do autor já deixa entrever a sua paixão pelas Letras: O escritor-fantasma, O grande manuscrito e A biblioteca são alguns dos títulos dos trabalhos de Živković. Além de dar a conhecer a produção literária de um país ao qual dificilmente temos acesso, O último livro convida o leitor a refletir sobre as fronteiras entre a ficção e o real. Os amantes de mistério, fantasia e livrarias não podem deixar passar este romance carregado de surpresas.

No entanto, do ponto de vista estético, embora seja sempre difícil julgar uma tradução, podemos arriscar dizer que as figuras de linguagem não são o forte de Živković. Pelo contrário, o autor parece optar por uma linguagem plana e sem rodeios, o que, conjugado à voz narrativa em primeira pessoa, revela o espírito prático do narrador-protagonista. Contudo, tal ausência de profundidade faz-se sentir também na construção das personagens, que carecem de desenvolvimento e, ao final de pouco mais de 200 páginas, se parecerão a esboços. Assim, aqueles que procurarem um paralelo com nossos antigos conhecidos Borges e Cortázar, só o vão encontrar no plano da ação.

A julgar por O último livro, a prosa de Živković não é daquelas que encontraríamos numa prateleira da Papyrus. Contudo, é suficientemente atraente a ponto de não ser o último livro seu que desejaremos consumir – pois é justamente “consumo” o que melhor descreve, neste caso, a atitude do leitor. O que não quer dizer que a leitura não vale a pena. Pelo contrário, eis um daqueles livros que se devora sem pausas, que não se deseja pousar enquanto não chegar à última página: uma façanha da qual bem poucos escritores se podem gabar!

Título original: Poslednja knjiga

País: Sérvia

Idioma original: sérvio

Ano de publicação: 2007

Edição brasileira: não há

Edição portuguesa: Cavalo de Ferro (ISBN: 978-989-6231-44-6)

Número de páginas: 240 (edição portuguesa)

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