Asco, de Horacio Castellanos Moya

Castellanos Moya_Asco

Dos cerca de cinquenta países nos quais já estive, o El Salvador está certamente no topo da lista. Foi com grande felicidade que encontrei Horacio Castellanos Moya, que, embora um dos nomes mais proeminentes da literatura centroamericana, para boa parte de nós não passa de um ilustre desconhecido. Embora o título já deixasse entrever seu conteúdo, foi com uma certa nostalgia por esse país simpático e bucólico que me aproximei de Asco. Mas o que encontrei foi muito diferente do que estava à espera: uma declaração de ódio explícita e visceral à República do Salvador.

Asco consiste numa espécie de monólogo de pouco mais de cem páginas, sem cortes de capítulos e com muito poucas mudanças de parágrafos, vituperado pela personagem Edgardo Vega, um salvadorenho inconformado com as suas origens, que se encontra na terra natal para o enterro da mãe após um exílio voluntário de dezoito anos no Canadá. Durante quase duas décadas, Edgardo não poupou esforços para apagar de si todas as marcas de seu país de origem, formando-se em História da Arte, adotando a nacionalidade canadense, e até mesmo mudando de nome, passando a se chamar Thomas Bernhard – como o escritor austríaco cujo estilo Moya procura imitar. No entanto, o que todo esse tempo não conseguiu apagar foi a aversão que ainda sente por um povo que considera asqueroso e sem cultura. Por meio de uma verborragia que poderia ser chamada de “vomitório de palavras”, Edgardo, ou Thomas, desconstrói a história e a cultura salvadorenhas recentes, passando da política aos hábitos socioculturais da população, não deixando escapar nem a cerveja, nem o futebol, e nem mesmo as deliciosas pupusas (tortilhas de milho recheadas, cozinhadas muitas vezes ao ar livre, verdadeiro estandarte da culinária salvadorenha).

Mas que ninguém se deixe assustar pelas longas frases e poucas pausas: trata-se de um texto acima de tudo bem escrito, o que gera uma leitura fluida e fácil de seguir. Por vezes, mesmo o leitor mais experiente poderá se deixar confundir pela voz narrativa de Vega: trata-se de um reflexo das opiniões do autor, ou ao contrário de um elogio às avessas, uma crítica àqueles que criticam o país? Quem não gostou da brincadeira foram seus conterrâneos salvadorenhos, de quem Moya chegou a receber ameaças de morte, o que o impediu por um bom tempo de pôr os pés na terra natal.

À exceção das referências à guerra recente, muito da crítica construída por Moya adequa-se à realidade que vivemos no Brasil. E isso acaba por fazer seu discurso tornar-se contagiante: qualquer olhar observador conseguirá traçar paralelos e fazer suas as palavras de Asco. O discurso direitista, reacionário, irracional, construído no melhor estilo metralhadora giratória, faz lembrar algumas baboseiras anti-governo que vemos circular nas redes sociais – mas não é que até o mais esquerdista dentre nós também se deixará identificar com ele? O que não deixa de ser uma descoberta assustadora e dolorosa.

Mas que fique bem claro: as pupusas continuam a ser um dos meus pratos preferidos!

Título original: El asco – Thomas Bernhard en San Salvador

País: El Salvador

Idioma original: espanhol

Ano de publicação: 1997

Edição brasileira: Rocco (ISBN: 978-853-2528-25-4)

Edição portuguesa: não há

Número de páginas: 112 (edição brasileira)

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