O centenário que saltou pela janela e desapareceu, de Jonas Jonasson

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Romance de estreia do sueco Jonas Jonasson, O centenário que saltou pela janela e desapareceu narra as improváveis aventuras de Allan Karlsson, um incorrigível otimista cuja vida encontra-se diretamente relacionada a alguns dos fatos históricos que mudaram o mundo no século XX. Espécie de Forrest Gump, apreciador de bebidas fortes, averso à política e à religião, e um extraordinário sortudo, Allan vai imprimindo sua marca nos lugares por onde passa, enquanto sua divertida e insólita biografia leva o leitor a transitar por três continentes e relembrar alguns dos momentos-chave do final do segundo milênio.

A fim de fugir das severas regras anti-alcoolismo do asilo onde se encontra, o impulsivo velhote decide saltar pela janela e sumir sem deixar rastro, vestindo apenas pantufas e levando consigo uma nota de 50 coroas. Ao chegar à estação rodoviária, decide embarcar no primeiro ônibus, comprando um bilhete para o mais longe que possa chegar com o pouco dinheiro que possui. Quando o acaso faz com que um jovem delinquente lhe confie sua bagagem, o velho não hesita em roubá-la, na esperança de que na mala encontre um par de sapatos. Na mala, descobre nem sapatos nem roupas, mas a impressionante quantia de 50 milhões de coroas.

Como se trata do dia do seu centésimo aniversário, e uma festa havia sido planejada, o desaparecimento acaba ganhando as manchetes dos maiores meios de comunicação nacional. A partir daí, não tarda nada para que o velho fujão esteja na mira não apenas da polícia e dos repórteres, como também do crime organizado. A fuga é inicialmente anunciada como um sequestro; no entanto, com a ajuda de uma extraordinária cadela farejadora, a polícia acaba se apercebendo de que o velho não é tão inofensivo como antes parecia. E, nos intervalos de paz entre a fuga da polícia e dos criminosos, Alan vai contando sua história. Assim, tomamos conhecimento da sua infância pobre e do trabalho numa fábrica de bombas, que o capacitaria mais tarde numa das áreas de conhecimento mais requisitadas do século XX: explodir coisas.

Ao longo da fuga pelos confins da Suécia, o centenário cruza uma série de personagens igualmente carismáticas: um ladrão misantropo, um vendedor de cachorros-quentes – e provavelmente um dos homens mais letrados do mundo -, uma agricultora quarentona sem papas na língua – alcunhada “a bela” – e sua elefanta de estimação, um trambiqueiro especializado em frangos e melancias, o complacente chefe da gangue de bandidos, e até mesmo um solitário investigador criminal.

Por meio das diversas digressões articuladas cronologicamente, o leitor vai percebendo que o até então ilustre desconhecido Allan participou – muitas vezes ativamente – do curso de diversos eventos históricos do século XX, do desfecho da Guerra Civil Espanhola à queda da União Soviética, passando pela criação da bomba atômica e pela apropriação da fórmula pelos soviéticos, pela China de Mao Tse-Tung, pelo fracasso de um atentado contra Winston Churchill no Irã, pela guerra entre as Coreias, pela erupção do Monte Agung na Indonésia, e por Maio de 68 em Paris.

Tudo isso é contado de forma leve e com marcada ironia. Com isso, o tom de crítica torna-se claro, enquanto grandes autoridades do passado e do presente são mostradas não como os heróis e vilões dos manuais escolares, mas como humanos, demasiados humanos. Um exemplo disso é o infante Kim Jong-il, retratado como um menino frágil e assustado, choroso pela morte do Tio Stalin, mas cujo ódio ao se descobrir traído antevê o ditador implacável em quem se tornaria. Ao mesmo tempo em que aponta fragilidades e incoerências, o livro vai mostrando quão aleatórios são por vezes os caminhos da história, e como um despretensioso e apartidário civil é capaz de assumir uma função-chave no seu curso. Não deixa de ser notável o fato de que tantos feitos extraordinários tenham sido realizados por alguém que, na juventude, foi considerado idiota e mandado para um asilo onde se praticava a esterilização dos enfermos em nome da “limpeza étnica”, um dos pilares da ideologia ariana durante o nazismo. Embora falte a Allan um certo tipo de inteligência socialmente louvado, o que não lhe falta é a capacidade de observação, adaptação e de encontrar soluções para os problemas mais insólitos. Soluções essas muitas vezes tão absurdas e inusitadas quanto a própria realidade.

O que teria sido da história do século XX se não fosse Allan Karlsson? O que teria sido da Espanha, tivesse Franco sido morto em um atentado? O que teria acontecido se a bomba atômica não tivesse sido criada, ou se sua fórmula não tivesse chegado às mãos dos soviéticos? Como teriam evoluído as coisas no Oriente Médio se Curchill tivesse sido assassinado no Irã? Embora as perguntas possam ser muitas, o texto não deixa espaço para dúvidas. Afinal, como sempre faz questão de repetir o protagonista, com quem talvez tenhamos muito o que aprender, as coisas são como elas são, e o que tiver de ser, será.

O centenário que saltou pela janela e desapareceu não é, seguramente, um dos futuros grandes clássicos da literatura ocidental. Mas é um romance fácil, despretensioso, acessível e bastante divertido. E, para todos os que se sentirem órfãos no final da leitura, fica o consolo de que o livro acaba de ganhar uma versão em filme.

Título original: Hundraåringen som klev ut genom fönstret och försvann

País: Suécia

Idioma original: sueco

Ano de publicação: 2009

Edição em português: Porto Editora (ISBN 978-972-0-04301-6)

Número de páginas: 366

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